Por Pedro Paiva, consultor sênior da Outfield Ventures
No atual momento do futebol brasileiro a entrada de capital, tanto nacional quanto estrangeiro, tem reformulado a dinâmica competitiva, impulsionando uma nova era de investimentos em talentos, infraestrutura e gestão. Até o dia 22 de janeiro de 2024, os 20 clubes da Série A já havia gastado mais de R$ 615 milhões em contratações de atletas, com o Corinthians liderando o ranking, mesmo que em cenário delicado de dívidas.
O Bahia, que nos últimos anos não teve muito destaque no cenário nacional, ocupou o 5º posto nesta lista, impulsionado pelos aportes do City Football Group, também dono do Manchester City, e que adquiriu a SAF do clube baiano em 2023.
Em paralelo, o faturamento dos clubes brasileiros que jogaram a Série A em 2022 alcançou um patamar histórico, com receita total de R$ 6,9 bilhões entre os 20 clubes de maior arrecadação. Flamengo e Palmeiras lideraram esse ranking, com faturamentos de R$ 1,170 bilhão e R$ 791 milhões, respectivamente, refletindo o impacto positivo dos investimentos não apenas em termos de competitividade, mas também financeiramente.
Os recordes financeiros não têm sido batidos ano a ano por coincidência – aliados aos aprimoramentos contínuos na governança e à entrada de profissionais qualificados na indústria, a inserção da Lei 14.193/21 que instituiu o mecanismo jurídico da SAF e a iminente fundação de uma “liga brasileira de futebol” são passos significativos para valorizar o “produto futebol” no Brasil. A experiência de ligas já estabelecidas, como a Premier League e La Liga, mostra o potencial de crescimento financeiro e de popularidade que uma liga bem estruturada pode oferecer.
A Premier League, por exemplo, tem um contrato vigente de £ 5.1 bilhões previstos para direitos de transmissão até o fim da temporada 24/25. A La Liga, por sua vez, possui um contrato de cinco anos se encerrando em 26/27 e com o valor de € 4.9 bilhões, evidenciando a capacidade de geração de receita dessas competições – para fins de comparação, os clubes da Série A do Brasil receberam ao todo R$2.7 bilhões em direitos de transmissão em 2022.
Um novo problema
Se antes do “futebol moderno” os clubes brasileiros usavam como pilar sua tradição e torcida para atrair talentos, hoje as altas cifras mudaram o jeito como o jogo é jogado. Em 2023, o atacante Marinho, ex-jogador de Santos e Flamengo, recusou uma proposta do São Paulo para se juntar ao Fortaleza. O motivo? Salário mais alto e com menos chance do pagamento atrasar.
A transparência, que antes basicamente não existia, hoje é exigida pelos fieis torcedores, que não querem mais ver seu dinheiro investido no clube, por meio de venda de camisetas oficiais, bilheteria, planos de sócio torcedor, “sumir” sem a devida explicação de onde foi parar, ou pior, sem conversão em um bom resultado esportivo.
Assim, além da pressão por resultado potencializada pelas redes sociais e contato 24/7 dos torcedores com todo tipo de informação sobre seu time do coração, grandes clubes com boas gestões, como Palmeiras e Flamengo, e SAFs com investidores por trás, como Botafogo, Vasco, Coritiba e Bahia, tornam ainda mais difícil a competição para times que ainda não arrumaram a casa ou não possuem capital inorgânico sendo injetado recorrentemente em seus cofres.
Em um país como o Brasil, em que uma eventual queda de divisão de cara já representa um corte de receita brutal – principalmente pelos direitos de transmissão – a corrida por resultados é hoje ainda mais importante. Em uma espécie de “darwinismo esportivo”, onde a luta é pela sobrevivêcia do clube, a desorganização financeira e inconsequentes contrações de dívida podem, literalmente, acabar com o clube de futebol.
Alternativa
Como teria supostamente dito Albert Einstein, “insanidade é fazer a mesma coisa e esperar resultados diferentes”. Nesse cenário dinâmico e esportivamente incerto, já ficou claro que o pensamento de que “no futebol as coisas são assim e isso nunca vai mudar” é a receita para o fracasso. Assim, a alavancagem controlada, por meio da antecipação de créditos futuros, surge como uma via alternativa interessante para os que buscam se manter competitivos. A antecipação de recebíveis como receitas do sócio-torcedor, bilheteria, venda de jogadores e cotas de televisão oferece aos clubes uma flexibilidade financeira essencial para investir em melhorias estruturais, contratações e outras áreas vitais para o sucesso a longo prazo.
A operação ainda é pouco utilizada em solo brasileiro, mas na Europa já é mais recorrente, até mesmo para gigantes. O Real Madrid, por exemplo, fechou em 2022 um acordo com o fundo de investimentos Sixth Street em que recebeu cerca de US$ 380 milhões em troca de uma participação de 30% nas receitas operacionais futuras no estádio Santiago Bernabéu pelos próximos 30 anos. Em outras palavras, antecipou seu recebimento de bilheteria ao longo dos próximos anos para o momento presente, em que precisava de caixa, em troca de uma parcela menor dessa receita no futuro – que é justamente onde o investidor ganha.
No Brasil, embora em pouca escala, alguns clubes já se aventuraram nesse modelo. O Palmeiras, exemplo de gestão dos últimos anos e o clube com maior sucesso esportivo recente, antecipou receitas de patrocínio com a Crefisa para contratar o atacante argentico Flaco Lopez.
Como já citado, a liga brasileira de futebol tem o potencial de catalisar o crescimento do esporte no país, promovendo uma distribuição de receitas mais equitativa entre os clubes e elevando o padrão de gestão e competitividade. Inspirando-se em modelos de sucesso como a Premier League, a liga pode atrair mais investimentos, melhorar a visibilidade internacional do futebol brasileiro e, consequentemente, aumentar as receitas de transmissão e patrocínio.
Nesse cenário, a gestão financeira e a adoção de práticas financeiras sofisticadas tornam-se indispensáveis. As teses de crédito, particularmente, oferecem uma oportunidade para os clubes brasileiros alavancarem seus recursos financeiros de maneira estratégica, garantindo sustentabilidade financeira e competitiva no cenário global do futebol.
Já presente em mercados mais tradicionais, parece que chegou a vez do crédito no futebol. Afinal, ter dívidas controladas faz parte de qualquer negócio que cresce rapidamente e possui descasamentos frequentes de fluxo de caixa – exatamente as características da conta bancária dos Clubes brasileiros na última década.