A medida do jogador decisivo não se dá nas grandes partidas, quando a equipe apresenta o desempenho dos sonhos. Ela se dá justamente quando a situação está enroscada, com tudo ameaçando desmoronar, e determinado jogador surge armado com uma caixa de ferramentas para consertar a situação — com martelo, formão, MAÇARICO, que seja. Exatamente assim aconteceu no meio da semana no estádio Nilton Santos: nos momentos mais tensos do duríssimo duelo diante do Bragantino, Júnior Santos emergiu para ocupar todos os latifúndios e todas as frestas do campo e sentenciar que o Botafogo é, sobretudo, presente.
Se a goleada sobre o Aurora parecia ter encerrado, de fato e de direito, o traumático ano de 2023, a difícil vitória de quarta finalmente inaugurou 2024. E o porta-voz da anunciação foi o homem que sintetizou as necessidades de um típico jogo de Libertadores. Quando o desempenho não desabrocha e a mecânica de jogo emperra, é a impetuosidade que precisa prevalecer para destrancar eliminatórias e destinos. O anjo das pernas confusas, das pernas fortes, das pernas que não cansam, e às vezes até se enroscam em seu impetuoso baile movido por som e fúria.
Quando surge alguém assim, disposto a interferir no desfecho de jogos e de multidões nestas noites de quarta-feira, é preciso que receba imediatamente títulos e distinções. Dessa forma, doravante o maior artilheiro do Botafogo na história da Libertadores deve, obrigatoriamente, ser chamado de Júnior “El Rabiscador” Santos. Foi assim, rabiscando, que as pernas que não cansam abriram o placar, após rascunhar um roteiro de caos na defesa do Bragantino. E, depois, com pinceladas riscadas pelos ares, um acrobático voleio de Maracanã, Centenário, Wembley, para marcar um gol fundamentalmente de Engenhão.
Para desmistificar assim uma noite de Libertadores, dobrando-a e colocando no bolso como uma nota surrada de dois reais, é preciso ter a sabedoria de que os verdadeiros mata-matas são outros, como aqueles travados desde cedo no Recôncavo Baiano. Como perder a mãe ainda criança, passar a juventude trabalhando como servente de pedreiro, jogar na várzea valendo uma refeição e, ainda assim, sem categoria de base, tornar-se profissional aos 22 anos. As pernas fortes, que não cansam e às vezes até se atrapalham, talvez porque muito já tenham caminhado, há tempos superam distâncias mais exigentes do que os cem metros de gramado. De Berimbau às terras cariocas, Júnior Santos não é apenas personagem e protagonista botafoguense: é uma representação fundamentalmente brasileira.
Footer blog Meia Encarnada Douglas Ceconello — Foto: Arte