O gesto redentor do treinador Cuca no último domingo (10) mostrou com clareza como são os extremistas “defensores da moral e dos bons costumes”.
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Aqueles que atacavam quem cobrava do técnico um pedido de desculpas às mulheres, pelo envolvimento no caso de estupro acontecido na Suíça, passaram a atacar os que enalteceram a atitude, obrigatória e tardia, sincera e comovente. Exatamente as mesmas pessoas.
Intoxicados pelo clima da politização que acusa até quem elogia o tom vermelho de uma rosa encantadora, torcedores sem noção reduziram a questão ao fundamentalismo clubístico ou religioso que, trocados em miúdos, dão no mesmo.
Ora as críticas a Cuca são imputadas porque era o Corinthians quem o queria, ora quem recebeu com satisfação a contrição dele deveria exigir sua castração em vez de saudar a possível redenção.
Oito ou 80, as mesmíssimas pessoas que o defendiam quando ele estava sob a vigilância dos que se indignavam com seu silêncio passaram a ofendê-lo para voltar suas baterias contra os então indignados.
Como se fosse discussão entre a esquerda e a direita, entre os que fizeram o L ou o B.
Mais: numa confusão dos diabos, os menos raivosos do lado B passaram a exigir o mesmo mea culpa de Lula, como se a descondenação do presidente da República fosse igual à do futebolista, esquecidos de que um foi vítima de juiz considerado parcial, em julgamento viciado desde sua origem, pela mais alta corte do país.
Além do mais, os casos em si nada têm a ver um com o outro, eventual corrupção x violência contra mulher.
Passam a ter só na cabeça poluída de quem vê na crítica a Neymar o fato de ele votar em B ou L. Ou na imprensa de extrema direita, que chama este jornal de Foice de São Paulo e vê no jornalista Merval Pereira um perigoso comunista.
Vivemos tempos de tamanha intolerância e cinismo que virou isto: Cuca era inocente enquanto criticado pelos defensores dos direitos humanos e passou a ser culpado, sem direito ao arrependimento, a partir do momento em que foi acolhido pelos que o criticavam.
Com o que se perdeu o foco no essencial: Cuca leu Milly Lacombe e entendeu que a questão não era sobre ele, mas também sobre ele. Que o mundo tomado pelo machismo tóxico precisa ser reeducado e manifestou-se disposto a cerrar fileiras nesta luta.
Sofreu, e muito, em conversas com a mãe, com a mulher, com as filhas.
Deu, emocionado, nervoso, trêmulo, a cara à tapa, em domingo de glória, porque ovacionado pelos torcedores do Athletico-PR de seu coração em tarde de vitória por 6 a 0 sobre o Londrina, pelas semifinais do Campeonato Paranaense. Poderia ter surfado no triunfo, mas preferiu fazer o mais sofrido depoimento de sua vida.
Difícil vislumbrar uma saída iluminada para o Brasil.
A desilusão com a política tradicional, e com as imperfeições da democracia formal, muito melhor, diga-se, do que qualquer ditadura, de esquerda ou de direita, parece conduzir o país a outra forma de obscurantismo, ao regime teocrático, comandado por bestas-feras gananciosas e protegido por milícias armadas, fardadas ou não.
Até para isso o depoimento de Cuca ajudou: para mostrar o tamanho da hipocrisia dos extremistas, que, de tanto militarem, chamam de militantes os que procuram apenas ser equilibrados com seus erros e acertos.
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