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Madonna foi o grande assunto do final de semana. Se você não mora em uma caverna, certamente acabou impactada ou impactado de alguma forma pela performance disruptiva da cantora americana, em Copacabana
Talvez tenha visto o momento em que ela, acompanhada de Pabllo Vittar, incendeia a multidão vestindo uma camisa verde e amarela, sacudindo fervorosamente a bandeira do Brasil.
Pois bem, o que isso tem a ver com Abel Ferreira? O português deixou a bolha do futebol com a pulga atrás da orelha, ontem, depois de declarar na coletiva, após a vitória sobre o Cuiabá, que gostaria muito de voltar a comandar as três joias do Palmeiras (Endrick, Estêvão e Luis Guilherme). “Vou desfrutar enquanto estiverem conosco e, quem sabe em um dia, em um contexto qualquer, poder ser treinador deles com todos juntos.”
Na hora surgiu a especulação: Abel sonha com a Seleção? Claro que sonha. Quem não sonha está errando. E sabe quem mais sonha com a Seleção? Uma parte imensa do Brasil que viu seu maior símbolo ser surrupiado por algo de que não dá para ter orgulho.
A Amarelinha virou sinônimo de reacionarismo. De uma direita com ambições fascistas. De quem cuspiu na tragédia da pandemia e acha que o problema do Brasil é falta de testosterona. De quem defende “cura gay” ao mesmo tempo em que sexualiza as próprias filhas. De quem divulga endereço de uma criança estuprada e pesa negros em arrobas.
Não à toa, tornou-se o uniforme oficial dos atos golpistas de 8 de janeiro. A escolha número um de quem literalmente defecou nas instituições democráticas.
A camisa da seleção fora roubada. Não só por tudo de torpe que a CBF representa, mas por uma gente que passou a se acreditar dona do Brasil, superior a todos que pensavam diferente, que queriam apenas ser o que são, em paz.
No sábado, essas pessoas precisaram ver uma drag queen gay nordestina ex-assentada do MST vestir com orgulho as nossas cores. Ao lado do maior ícone pop do mundo, que aos 65 anos continua esfregando sua liberdade sexual e de pensamento na cara da sociedade que tenta controlar a mulher desde que o mundo é mundo. Diante de 1,6 milhão de pessoas na zona sul carioca — majoritariamente LGBT — e ao vivo no maior canal de TV aberta da América Latina.
É uma pena que o resgate das nossas cores precise passar pelas mãos de uma mulher gringa. Que precise vir alguém de fora para chocar “a família de bem” e causar tamanho furor. Ludmilla já iniciara esse movimento, no ano passado. Pabllo e Anitta também teriam força para gerar ondas. Madonna, porém, está em outro patamar. Madonna move placas tectônicas. Madonna não pode ser ignorada.
Madonna coloca no palco a diversidade que não se vê na área VIP. Madonna força o diálogo. Madonna, a diva global que há 40 anos expande limites, que beija na boca uma mulher trans de peitos de fora em rede nacional, que desde sempre fala da Aids e seus impactos sem sensacionalismo, que enquanto balança a raba com uma artista drag, homenageia nos telões algumas de nossas maiores personalidades, essa Madonna falou do Brasil que somos de verdade. Um Brasil negro, gay, diverso, sexual, bonito e um dia, quem sabe, livre.
Espalhem por aí: Madonna não sentiria na sua periquita as cores de um país reacionário. Melhor não sair por aí de verde e amarelo se você acha tudo isso aí um escândalo, tá? Vai que alguém pensa que você acredita que todos, todas e todes (aaah!) temos os mesmos direitos?
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Opinião
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.