A disputa entre os presidentes Emmanuel Macron e Vladimir Putin ganhou contornos psicanalíticos pouco sutis nesta semana, com o francês divulgando duas fotografias em que aparece treinando boxe em poses ferozes, exalando uma inaudita virilidade.
As imagens de Macron com dentes arreganhados e bíceps em ação foram feitas por sua fotógrafa oficial, Soazig de la Moissonnière, e postadas em elegante preto-e-branco por ela em sua conta no Instagram na terça (19). Demorou um pouco, mas a foto acabou viralizando.
De referências elogiosas ao físico do francês de 46 anos a críticas pela instância agressiva no momento em que acirra sua disputa com Putin em torno da Guerra da Ucrânia, o objetivo de aparecer e passar uma mensagem foi conquistado.
Ironicamente, Macron usou uma tática antiga de governantes que chegou ao estado da arte com Putin, no poder desde o fim de 1999 e que foi reeleito para mais seis anos à frente do Kremlin no domingo (17).
Já no começo de seu mandato, o russo se fazia fotografar treinando judô ou jogando hóquei no gelo, seus esportes preferidos. Depois, passou a divulgar pela imprensa estatal russa fotos de torso nu, demonstrando usualmente uma forma invejável para presidentes de potências nucleares.
Claro, virou meme, e até seu cavalo virou um enorme urso russo em uma das manipulações mais famosas de suas imagens. Aos poucos, as fotos foram sendo substituídas por atividades ao ar livre, segurando rifles de caça ou dividindo momentos na natureza com o ministro Serguei Choigu (Defesa).
Não que fosse temor de acusação por masculinidade tóxica: esse é um conceito pouco usual na Rússia, onde fotos do presidente sem camisa ainda adornam camisetas e calendários vendidos por camelôs nas famosas banquinhas do mercado moscovita de Izmailovo.
Aos 71 anos, Putin agora só é visto sem camisa quando dá seu mergulho anual num lago congelado na festa da Epifania ortodoxa.
A agressividade recém-descoberta por Macron, com a reiterada ameaça de enviar forças francesas para a Ucrânia, o que Putin singelamente lembrou que arriscaria uma guerra nuclear por envolver um país da Otan no conflito, agora passou para o campo estético.
Se ele já tinha virado um Napoleão Bonaparte em vários memes, alguns esquecendo o que a invasão da Rússia fez às tropas do imperador francês no início do século 19, as novas fotos sugerem alguém se preparando para a batalha.
Isso contrasta com a imagem enérgica, mas suave, vendida por Macron em sua meteórica carreira. Político de fala mansa, ele sempre se apoiou em símbolos da República Francesa para evocar autoridade, mas nunca tinha descido ao ringue como neste momento.
Passando aqui à psicanálise de botequim e lembrando o hoje prisioneiro Roberto Jefferson quando debateu com o ex-ministro José Dirceu durante o escândalo do mensalão do PT em 2005, Putin aparentemente desperta “os instintos mais primitivos” em Macron.
Parte disso pode estar associada ao papel de bobo impingido ao francês por Putin. Antes da invasão da Ucrânia, Macron era um dos líderes europeus mais esforçados em tentar demover o russo. Faltando duas semanas para as bombas caírem, ele foi pessoalmente ao Kremlin.
Putin o recebeu em uma enorme mesa branca de seis metros de comprimento separando os líderes, garantindo mais uma safra de memes e figurinhas virtuais. Macron parecia admoestado, impotente. Ponto para o russo.
Depois, o presidente francês diria que foi enganado pelo líder do Kremlin, o que nos traz ao momento atual de inaudita virilidade.
Ele já usara luvas de boxe antes, num evento da campanha da reeleição de 2022, mas o cenário é outro: um sorridente presidente de roupa social finge estar pronto para o pleito. O portfólio da sua fotógrafa no Instagram traz mais um jovem ativo, como seu antecessor caído em desgraça Nicolas Sarkozy (2007-2012), que gostava de ser registrado correndo no melhor estilo do brasileiro Fernando Collor (1990-92).
Os franceses enviaram a Kiev mísseis de cruzeiro, armas raras e letais que Berlim se recusa a dar, mas no geral a nação é apenas a 14ª maior doadora de ajuda à Ucrânia, segundo o Instituto para a Economia Mundial de Kiel (Alemanha), com R$ 9,75 bilhões enviados. A criticada Alemanha é a segunda, com R$ 21 bilhões até 15 de janeiro deste ano.
Resta saber até onde vai a retórica do francês. Até aqui, ele não tirou a camisa.