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André Kfouri, blogueiro do ESPN.com.br
8 de mar, 2024, 20:16
Não há outra figura como John Textor no futebol brasileiro. O rosto com quem ele compartilha o que se pode chamar de Era das SAFs no país é um ídolo interestelar que já foi chamado por Muricy Ramalho, com razão, de “um jogador de todos nós”, enquanto o grupo que comanda o futebol do Vasco é uma entidade com a qual é mais difícil estabelecer uma relação direta. De modo que, entre o avatar da 777 e a aura de Ronaldo, Textor faz o papel singelo de um cartola estrangeiro.
A barreira da língua e dos comportamentos o distancia do debate diário sobre o futebol nas ruas e nas mídias, o que não significa que ele não se faça presente quando entende ser necessário ou conveniente. É exatamente nesse equilíbrio que suas aparições, sempre peculiares, são capazes de causar confusão entre o que se espera de um executivo norte-americano enviado do futuro e um legítimo dirigente brasileiro, médio, facilmente reconhecível pelas práticas e discursos primitivos.
É curioso, porque Textor se apresenta como um agente da mudança que a indústria do futebol no Brasil anseia em caráter de urgência. O ambiente ao qual ele julga pertencer é o cenário imaginário pós-ruptura dos clubes com a CBF, em que adversários se reconhecem e se respeitam como sócios de um produto que vale muito mais do que recebe.
Um potencial colosso do entretenimento mundial em que, enfim, o refinamento técnico do jogador doméstico se encontra com a governança mais avançada que se conhece em gestão esportiva. Num piscar de olhos, porém, a fachada de proprietário do Botafogo – e do Crystal Palace e do Lyon – apenas disfarça uma conduta digna da Liga do Bananal (o Bananal pode ser o que for, mas ao menos tem uma liga só, e não duas).
Faz três meses que Textor afirmou que o Campeonato Brasileiro de 2023 foi arrancado do Botafogo por um esquema de manipulação de resultados que lhe tomou 19 pontos. Isto não é uma interpretação destemida de alguma declaração em código, endereçada, como um tiro de advertência, a quem articulou a operação subterrânea que transformou o Palmeiras em bicampeão brasileiro. Não. É somente uma transcrição do que Textor disse, com base em um relatório que ele encomendou e enviou ao STJD com um pedido de inquérito, rapidamente arquivado pelo tribunal.
Não satisfeito, o chairman do Botafogo decidiu dobrar a aposta, ao declarar que tem gravações que comprovariam a corrupção de árbitros nas últimas edições do Campeonato Brasileiro. O modo brasileiro de viver, que Textor vai aprendendo a conhecer, torna estatisticamente impossível que o futebol esteja livre de malfeitos, como mostrou o recente escândalo de apostas em resultados desnudado por investigações que começaram em Goiás. Mas a denúncia de Textor sugere o envolvimento da arbitragem, o que conduziu a família do futebol brasileiro ao estado de alerta máximo nas últimas horas.
É chegado o momento da revelação. Quem é John Textor? O executivo com visão moderna e coragem transformadora tem provas e não deixará de apresentá-las, mesmo sob risco de implosão da estrutura que há tanto tempo exibe rachaduras visíveis. O cartolão do futebol faroeste, distinto apenas na língua que fala e nas marcas que veste, uma vez mais joga para o torcedor, sem se importar com a gravidade de suas palavras.
O primeiro será aplaudido e marcará um antes e um depois. O segundo pode subir a bordo do Gulfstream e avisar ao piloto que o voo será só de ida. A Liga do Bananal tem muitos como ele.