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Rodrigo Bueno, blogueiro do ESPN.com.br
29 de fev, 2024, 12:46
James Rodríguez, de forma surpreendente, estreou no futebol brasileiro neste ano. Em 19 minutos em Brasília pelo Campeonato Paulista, participou de 23 ações com a bola, fez um gol, deu uma assistência e duas finalizações. Seu mapa de calor, mesmo com pouco tempo em campo, mostra que ele circulou por vários espaços na defesa e no ataque.
Desfilou um pouco de seu talento contra a Inter de Limeira e ajudou o São Paulo a recuperar um futebol aceitável após quatro jogos sofríveis. Mas como um atleta desse nível pôde ter sido descartado depois de ter ficado escanteado no Tricolor de Dorival Júnior e no de Thiago Carpini? Só razões extracampo e uma suposta falta de comprometimento explicam essa “geladeira” para James nos últimos meses?
Infelizmente, eu acho que não. Há uma certa resistência hoje no Brasil com jogadores mais clássicos, craques que não se matam fisicamente dentro das quatro linhas, atletas que pensam mais o jogo. Vimos o que se falava do Ganso, tido como “jogados dos anos 60”, “lento”, “bichado”, “desconectado” e nada “intenso”, palavra que mais está na moda no futebol faz um tempo. Será que precisamos mesmo de 11 operários em campo marcando como loucos o tempo todo?
Será que não é possível mais ter um jogador bem acima da média, criando, passando a bola e lançando com excelência? Já vi críticas ao Cristiano Ronaldo no Manchester United em sua última passagem porque ele era o atacante que menos marcava o rival.
Já vi críticas ao trio Messi/Mbappé/Neymar no Paris Saint-Germain porque seria impossível fazer um time ganhar com os três craques juntos. Por essas e outras eu entendo quando meu pai, com quase 87 anos, reclama do futebol atual, cheio de transpiração e com pouca inspiração. Talento não só virou um artigo raro, ele também não tem sido devidamente valorizado.
Já me falaram coisas boas e ruins de James Rodríguez no elenco são-paulino. Dizem que é extremamente profissional, costuma treinar bem e tem um considerável número de amigos, considerando que é um estrangeiro que chegou faz pouco tempo ao país. Em contrapartida, já ouvi relato de que ele curte bem a vida fora de campo, até por ser muito popular e descontraído, mas não vejo isso influindo em seu rendimento dentro de campo.
Não dá para dizer que James tem esse estilo mais cadenciado de jogo porque fica muito em balada ou porque está mais preocupado com suas mídias sociais (ele possui muito mais seguidores do que o São Paulo), como se ele fosse um juvenil sem nada na cabeça em busca de uma autoafirmação.
Era um tanto quanto compreensível que, no início, James tivesse dificuldade para entrar no time operário e competitivo de Dorival Júnior, afinal a equipe avançava bem na Copa do Brasil, que enfim foi conquistada pelo clube. Mas, depois disso, alguns destaques foram tratar lesões, sobretudo Calleri e Lucas Moura, e o que se viu nos jogos do Tricolor foi um festival de atletas com limitações e alguns sem a devida motivação na reta final do Brasileiro passado.
James não tinha os minutos que merecia, diferentemente de atletas discutíveis, como David, que nem está mais no grupo, ou o garoto Juan, que talvez tenha entrado tantas vezes em campo para ser colocado na vitrine. Natural que James ficasse desapontado com as poucas oportunidades nesse momento, ainda mais se havia mesmo alguma pendência financeira com o clube.
O São Paulo não precisa se adaptar ao James, mas James não precisa ser um Wellington Rato para ter a chance de jogar regularmente na equipe. A bola parada e a canhota de Rato são úteis, mas James entrega isso até com mais elegância e requinte. Os dois finalizaram com o pé direito uma vez em Brasília contra a Inter, e a diferença dos lances diz muito sobre eles dois.
A história de vida de Rato é maravilhosa, sofreu muito mais do que James e outros para estar aonde está neste momento. Ele tem muito valor e deve mesmo ser aproveitado pelos seus treinadores por conta de sua entrega e aplicação tática, mas não é por isso que um jogador da capacidade do James precisa ser esquecido ou aposentado.
Verdade que o colombiano não tem jogado com frequência em seus últimos clubes, mas a exigência aqui no futebol brasileiro não é tanta. Ele pode muito bem ser preservado em alguns jogos, pode atuar em várias posições do meio-campo para a frente (foi um segundo volante no jogo contra a LDU no Morumbi e foi por uns minutos quase um centroavante, falso 9, em duelo contra o Flamengo no Maracanã).
Só não dá para ficar cobrando de um atleta com esse potencial que volte para marcar lateral até o vestiário. Se um técnico faz isso, comete um crime contra o futebol e contra o próprio time, na minha mascarada opinião.
Os torcedores são-paulinos, desde o início, estão encantados com James, pelo seu passado e, sobretudo, pelo seu talento, raro na América do Sul hoje. Eu não sabia como seria a recepção a James em Brasília após ele ter se negado a viajar para Belo Horizonte na final da Supercopa e por ter pedido para sair do clube, algo que não aconteceu apenas porque não houve propostas boas.
Só que a “torcida que conduz” pedia a entrada de James no time e vibrou como um gol quando ele foi chamado para entrar no final da partida. A cada toque na bola dele, algo especial parecia acontecer. Ele gera expectativa em cada lance simples, é bonito demais vê-lo dar até um passe para o lado. Não deve jogar só porque atrai público em qualquer lugar e desperta audiência até de torcedores rivais, mas porque ele é um jogador diferenciado, de verdade.
A comemoração de seu gol com a torcida, mostrando sua camisa 55 (10, somando os cincos), foi emblemática. Os jogadores, que poderiam estar chateados com ele pela Supercopa, foram abraçá-lo, em especial Alisson e Calleri o reverenciaram. Os torcedores festejaram duplamente o gol, pois selou a vitória por 3 a 0 e foi marcado pelo cara em campo que mais precisava dar uma resposta.
Nesse retorno, a pressão está maior para James, pois ele esteve com os dois pés fora do São Paulo. Agora, busca reconquistar espaço em um elenco supercampeão brasileiro. Mas James já defendeu alguns dos maiores clubes do mundo e ainda hoje é a estrela maior de sua seleção, não é alguém que parecer se importar com a cobrança para render no mais alto nível em campo. Mesmo sem forçar muito, ele (que ainda tem apenas 32 anos de idade) já joga em um nível bem superior ao da maioria dos jogadores aqui do Brasil.
Não quero aqui neste post fazer uma pura e simples defesa de um atleta específico. Usei James apenas por ser um bom exemplo de jogador muito talentoso que enfrenta resistência em alguns lugares para desenvolver seu futebol tão vistoso. Se ele é tão bom como todos entendem que ele é e se ele é admirado pelos torcedores mesmo cometendo erro ao desistir do clube e do time em uma final, como descartá-lo hoje em dia no futebol brasileiro?
Será que nossos treinadores não estão muito presos a sistemas táticos e esquemas mais engessados? Será que não há um medo exacerbado de fazer dar certo algumas duplas ou trios ou quartetos ofensivos? Será que não estão podando os raros talentos que ainda existem no esporte? Será que Fernando Diniz é uma ilha hoje no Brasil ao aproveitar uma série de bons jogadores, mesmo que veteranos, como Ganso e Renato Augusto?
Será mesmo preciso importar mais treinadores como Coudet, que gostam de um jogo mais leve e ofensivo? Será que só Jorge Jesus pode montar um time encantador aqui no Brasil usando diversos talentos (Tite achou seu melhor Flamengo este ano em um 4-3-3 com um trio gringo no meio e só Pulgar de volante)?
Por que nas categorias de base, onde o Brasil também tem fracassado em disputa internacionais, vemos mais bons goleiros, zagueiros e volantes do que grandes meias e centroavantes? Quando foi que o futebol brasileiro passou a ficar tão robotizado, tão “europeu das antigas”, tão pobre em talento?
Se James não tem espaço em um Campeonato Paulista, isso diz muito mais para mim sobre o nosso futebol do que sobre o craque colombiano. Futebol ainda tem como grande estrela o jogador. E quanto mais técnico, inteligente e capacitado for esse jogador, melhor para seu time e para o esporte como um todo.
O futebol não é apenas para craques, até os grandes times têm os seus “carregadores de piano”, mas tomara que os craques não desapareçam de vez, não fiquem esquentando o banco só porque não é um “operário”.
Próximos jogos do São Paulo:
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Palmeiras (C): 03/03, 20h (de Brasília) – Paulistão
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Ituano (F): 10/03, 16h (de Brasília) – Paulistão