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Daniel Servidio
14 de mar, 2024, 15:30
Faz 20 anos que Grafite, jogador de Copa do Mundo com a seleção brasileira, é também lembrado por torcedores paulistas como o cara que salvou o Corinthians do rebaixamento no Paulistão de 2004. O ex-atacante fez os dois gols da vitória do São Paulo por 2 a 1 sobre o Juventus, na última rodada da fase de grupos do estadual. O resultado rebaixou o time juventino, manteve o rival na primeira divisão e tirou de Reinaldo Appolinario, são-paulino desde criança e com passagem pelo time do Morumbi, a possibilidade de ser o carrasco dos alvinegros.
Reinaldo à época era o camisa 10 da Portuguesa Santista, adversária do Corinthians naquela fatídica rodada do dia 14 de março de 2004, há exatamente duas décadas. A matemática era clara: apesar da memória popular de que o São Paulo poderia ser vilão, o Corinthians dependia apenas de si para não cair. Bastava uma vitória para não correr qualquer risco — o que não aconteceu.
O Timão foi derrotado por 1 a 0, em pleno Pacaembu, com gol de Reinaldo. Um chute de fora da área, com a perna direita e com um desvio no meio do caminho, que fez a bola balançar as redes do goleiro Rubinho. Um lance que poderia ser histórico, mas, diante das circunstâncias, se perdeu na memória dos torcedores.
No mesmo horário, no Anacleto Campanella, em São Caetano do Sul, a partida entre Juventus e São Paulo terminava com os tricolores na arquibancada pedindo para o time entregar o resultado para o Moleque Travesso. Foi em vão. O árbitro Salvio Spinola apitou o fim de jogo e os protagonistas dos dois jogos, Grafite e Reinaldo, assumiram papéis diferentes no enredo sobre o quase rebaixamento do Corinthians.
Do Morumbi à metalúrgica
Reinaldo tinha 20 anos e jogava pelo União São João, do interior de São Paulo, quando foi chamado pelo presidente do clube. Naquele momento, recebeu, junto ao pai, a notícia da realização de um sonho: a equipe tinha acertado a transferência dele para o São Paulo. O então jovem atleta, que na infância assistia aos jogos do Tricolor no Morumbi, começou a realizar o sonho de atuar pelo time do coração. A passagem durou de 1997 a 2001, com empréstimos para Paraná e Sport entre 1999 e 2000. No currículo, fez parte do elenco campeão paulista de 1998.
A concorrência no São Paulo na época era grande, com jogadores como Denílson, Marcelinho Paraíba, Souza e Kaká. O ex-meio-campista não teve muito destaque, mas considera que cumpriu a missão e não tem nada para reclamar. Depois, chegou a atuar pelo Botafogo. Em 2004, disputava um bom Paulistão pela Portuguesa Santista.
O gol ‘esquecido’ de Reinaldo poderia ter alavancado a trajetória dele no futebol, que contou com passagens por mais de 20 clubes, incluindo equipes da Grécia e do Chipre. A carreira acabou em 2011, aos 35 anos, após passagem pelo CRAC, de Goiás. O físico, segundo o próprio, permitiria que continuasse atuando, mas ele não queria continuar rodando por outros times.
Hoje, aos 48 anos, o quase carrasco do Corinthians ganha a vida em uma metalúrgica. O contato com o futebol segue vivo pelas participações nos jogos do Deixa Queimar, um time amador de Piracicaba.
Desejo de rebaixar o rival
Reinaldo falou com a reportagem da ESPN durante o horário de almoço do trabalho. Ele não tinha percebido que o 14 de março marca duas décadas de um dia que, por meio dos pés dele, poderia ter sido histórico para o futebol paulista.
Mas, há vinte anos, o coração são-paulino sabia bem o que tinha de fazer. O objetivo principal, claro, era a vitória da Portuguesa Santista, para garantir a classificação para a segunda fase. A expectativa, no entanto, era também de um descenso alvinegro.
“Eu estava torcendo [para o Corinthians cair]. Sempre fui são-paulino, nunca gostei do Corinthians. Sempre falei que o único jeito de gostar seria se fosse jogar lá. Sempre torci contra. Meu irmão é corintiano. Imagina fazer um gol e falar: ‘Mandei seu time para a segunda divisão’. Ia ser engraçado”, brincou.
Os torcedores podem não lembrar daquele gol, mas os amigos mais próximos de Reinaldo ainda tiram sarro da situação.
“Já fui reconhecido, já falaram que eu quase mandei o Corinthians para a segunda divisão. Tem alguns amigos meus que brincam até hoje: ‘Diz que é meu amigo e quase mandou meu time para a segunda’. Mas, quando alguém me reconhece [na rua], é mais por ter sido jogador, não por aquele gol”, disse.
Quase carrasco poderia ter jogado pelo Corinthians
O Morumbi poderia não ter sido o caminho de Reinaldo quando deixou o União São João. Ele lembra que o Corinthians consultou o time de Araras, mas a negociação não avançou.
“Tinha mais chance de eu ter ido para o Corinthians do que para o São Paulo. O Nelsinho Baptista estava lá. Deu até uma confusão por eu ter ido pro São Paulo, deu um ruído entre ele e a diretoria, pelo que eu fiquei sabendo. Eu nem cheguei a escolher nada. O presidente chegou e falou que acertaram com o São Paulo. Quando me chamou com meu pai, já estava tudo certo”, relembrou.
“Eu digo que fui [para o São Paulo] na época errada. Se pegasse a época de hoje, estaria deitando e rolando. Na minha época o São Paulo era outro time, só jogador com nível de seleção, disputava posição com os melhores”, afirmou.
Por que o Corinthians quase caiu no Paulistão de 2004?
A primeira fase do Campeonato Paulista de 2004 dividiu os 21 participantes em dois grupos: A, com dez times, e B, com onze. O Corinthians, assim como São Paulo e Juventus, ficou no grupo A, que jogava entre si. Os quatro primeiros avançavam para uma segunda fase, que passava a ser de mata-mata. O último colocado de cada grupo era rebaixado.
O Timão somou apenas oito pontos em nove jogos. Foram dois empates, duas vitórias e cinco derrotas. A campanha do Juventus, que foi rebaixado, teve duas vitórias e sete derrotas — um total de seis pontos. O alvinegro derrotou o Moleque Travesso, na sétima rodada, por 3 a 2.
A campanha do Corinthians ainda teve uma derrota por 1 a 0 para o São Paulo.
“Por não ser corintiano, eu queria ter rebaixado o Corinthians, sim. Mas não fiquei chateado. O desejo era que sim, mas de boa. Sou são-paulino desde criança. Foi um sonho tanto meu quanto do meu pai [jogar lá]”, finalizou Reinaldo.