Em pronunciamento na noite de domingo (10) após o Athletico-PR golear o Londrina por 6 a 0 e avançar às semifinais do Campeonato Paranaense, o técnico Cuca, anunciado pela equipe na semana passada, abordou a acusação de estupro que o acompanha há quase 40 anos. Em 1987, ele e outros três jogadores do Grêmio foram julgados sob acusação de terem violentado uma jovem de 13 anos na Suíça.
Cuca afirmou que, em um primeiro momento, acreditou que a anulação da condenação pela Justiça da Suíça o livraria do peso que carregava, mas se deu conta de que uma mudança real só aconteceria depois de entender seu papel em uma sociedade desigual e violenta contra as mulheres.
“Sucesso, dinheiro, fama não servem para nada se você se perder no caminho. Eu pensei que estava livre de minha angústia quando a resolução do meu problema na Suíça tinha acontecido, com a anulação, a descondenação, a indenização. Mas não acabou. Entendi que não acabou porque ela não dependia só de uma decisão judicial, mas também de entender o que a sociedade espera de mim”, disse o treinador.
Em janeiro, a Justiça suíça acatou a argumentação da defesa de Cuca de que o técnico foi condenado à revelia, sem representação legal, e que poderia ter um novo julgamento. Só que o Ministério Público suíço alegou que isso não seria possível dado que o crime estava prescrito, então sugeriu a anulação da pena e a extinção do processo. Assim, Cuca não foi inocentado no mérito.
Ele afirmou que preferiu fazer um pronunciamento com base em um texto previamente escrito por ele com a ajuda da esposa e das filhas para “não ter risco de ter erros, não sou muito bom com as palavras”.
Cuca disse que optou por se recolher durante muito tempo sem falar a respeito, e, mesmo assim, pôde seguir com a vida sem maiores problemas, porque o “mundo do futebol e o mundo dos homens em que eu vivo” adotou uma postura leniente. “Uma mulher que passa por qualquer tipo de violência não consegue seguir a vida dela sem permanecer machucada. O impacto dura para sempre.”
Ainda conforme o treinador, diante de uma reflexão que passou a fazer ao longo dos últimos meses, percebeu que ficar calado não era mais uma opção.
“Entendo que não posso mais me recolher, ficar calado, porque o silêncio soa como covardia”, disse o técnico do Athletico-PR.
De acordo com o treinador, é preciso reconhecer que homens e mulheres são tratados de maneira diferente pela sociedade como um primeiro passo dentro de uma jornada em busca de maior igualdade de gênero.
“A realidade tem que ser transformada para que o mundo seja um lugar mais seguro para as mulheres e todos nós”, disse Cuca.
Em seu pronunciamento, ele também citou a colunista Milly Lacombe, do UOL, lembrando um texto escrito por ela que dizia que, ao ser cobrado a falar sobre o tema, não era apenas uma cobrança em cima do técnico Cuca. “Eu entendi o que ela quis dizer”, disse o treinador. É uma discussão que ultrapassa a figura do técnico de um time popular de futebol e que traz para o centro do debate a forma como os homens e a sociedade como um todo trata as mulheres, “com desigualdade, e, às vezes, de maneira violenta.”
Ao assumir o Athletico-PR, o treinador voltou a comandar uma equipe após a rápida passagem que teve no Corinthians, em 2023. Na ocasião, antes da anulação do processo, Cuca pediu demissão cerca de uma semana após assumir, devido aos protestos de parte da torcida por sua contratação.
A permanência dele se tornou insustentável no Parque São Jorge pela pressão de torcedores, sobretudo de mulheres, indignadas com a postura do clube diante do caso de violência sexual registrado contra ele na Suíça.
“O mundo está mudando e acho que para melhor. E por isso estou me dando conta que não adianta eu ser um grande treinador, um grande pai, um grande avô, um grande marido, um grande irmão, um grande esposo, se eu não entender que o mundo é feito de outras coisas além do futebol e que eu faço parte dessas coisas também”, afirmou Cuca, que teve sua contratação pelo Furacão bastante criticada pela torcida feminina do clube por meio das redes sociais.
O técnico disse ainda que, a partir de agora, quer se valer de sua projeção como profissional vitorioso do futebol para conscientizar outras pessoas sobre os desafios enfrentados pelas mulheres na sociedade, em especial os jovens que sonham em um dia se tornar jogador.
“Masculinidade, poder, sucesso repentino, fama, tudo é desafio para qualquer jovem. Muitos se perdem no caminho.” A falta de uma formação adequada desde as categorias de base foi inclusive apontada por especialistas como uma das razões para os crimes de estupro cometidos pelos ex-jogadores da seleção brasileira, Daniel Alves e Robinho.