Gaspar Nóbrega/COB
Quatro brasileiros vão disputar o Pré-Olímpico mundial de boxe em Busto Arsizio. O ano de 2024começou com a agenda cheia para os pugilistas, após três training camps na Colômbia, Alemanha e Itália, o time está preparado para subir ao ringue e disputar as vagas olímpicas. Serão 633 atletas de 115 países que lutarão entre os dias 3 e 11 de março por 49 cotas para Paris-2024. Um desses pugilistas é o Wanderson de Oliveira, o Shuga, da categoria 71kg, medalhista de bronze no Mundial de 2023.
“Nunca pensei que fosse lutar boxe”
Wanderson é cria do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. E como muitos garotos brasileiros, seu maior contato com esporte era o futebol. “Toda criança só joga bola. Eu ia para o clube de futebol direto”, contou o atleta. Assim, o boxe surgiu por acaso em sua vida. “Teve um dia que eu estava jogando bola do lado do Luta pela Paz, uma associação na Maré. Entrei só para beber água e estava lá um colega meu batendo saco. Ele era meu ‘rival’, então eu e meus amigos pensamos ‘por isso ele é marrento, ele é lutador!’. Foi ai que eu resolvi que ia treinar lá em outro horário, para pegar ele de surpresa”, relembrou nostálgico o boxeador. “Nunca pensei que fosse lutar boxe.”
Mas o que foi motivado por uma rivalidade de rua, se tornou vida de Wanderson. Ele convenceu a mãe a deixá-lo treinar e assim começou. “O pessoal da associação explicou pra minha mãe que se eu treinasse lá, eu não ia mais poder brigar na rua. Era tudo certinho”. Mas a luta com o rival de Wanderson nunca aconteceu. “Depois de uns três meses treinando eu falei para o meu treinador, Gibi: ‘deixa eu treinar com aquele moleque lá!’, foi então que ele me respondeu: ‘ele não treina mais’ e eu fiquei sem a minha revanche. Mas o Gibi viu que eu queria lutar de verdade e começou a me inscrever em eventos, já aos 12 anos.”
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Sua primeira viagem para fora do Rio de Janeiro foi para São Paulo, justamente para lutar. “Nunca imaginei que um dia ia para São Paulo, eu nunca tinha saído do Rio. Eu imaginava que ia estudar bastante, arranjar um trabalho bom e viajar por conta própria. Então jamais pensei que o esporte fosse me proporcionar isso”.
Com treinador, Wanderson se torna Shuga
É comum alguns boxeadores receberem apelidos ao longo da carreira nos ringues, Wanderson recebeu o seu logo assim que começou a lutar. “Meu treinador me deu o nome Shuga. Eu fazia muitos sparrings na academia quando tinha de 12 a 14 anos. E rolava muita rivalidade. Na época era eu e mais sete atletas, lutando entre si. E eu agia muito igual o Sugar Ray Leonard (ex-pugilista americano), mas eu não conhecia ele, já que eu era muito novo. O meu treinador que me apresentou ele, Foi ai que virei o Shuga”, contou o brasileiro.
Exército e Equipe Olímpica Permanente
Shuga mostrou talento e chamou a atenção da comissão técnica da seleção brasileira. “Cheguei na equipe dia 6 de março de 2017, nunca vou esquecer”, confessou o atleta. Mas no ano anterior, antes de integrar a nata do boxe nacional, Wanderson passou por momentos de superação. “Eu já tinha sido campeão brasileiro três vezes, mas não tinha oportunidades na seleção, eu queria parar de lutar. Foi aí que o exército me chamou. Eu conversei com a minha mãe, que pensava em parar, que existia outras formas de ganhar dinheiro. Mas meu treinador me incentivou. E acabei vencendo o Brasileiro e chamei a atenção do Exército. Foi aí que entrei e no ano seguinte me chamaram para a seleção”, explicou Wanderson.
Já na Equipe Olímpica Permanente, a mentalidade de Shuga mudou completamente. “Depois que cheguei na seleção eu comecei a entender o que precisava fazer para subir o meu nível de boxe. Então desde o primeiro dia aqui eu me dediquei e eu me dediquei cada vez mais. Nunca deixei falhar nem em treino, nem em sparring, nem em lutas”, declarou.
Redenção no Mundial de 2023
Em 2023 o atleta chegou ao pódio Mundial após bater na trave em várias competições de alto nível. Foi quinto colocado tanto em Jogos Olímpicos de Tóquio como nos Campeonatos Mundiais de 2019 e 2021. “Eu estava desacreditado, bati três vezes nas quartas de final, e bater a quarta? É muito frustante”, confessou. Mas no ano pré-olímpico, Wanderson superou seu próprio tabu, venceu lutas equilibradas para chegar na medalha de bronze da categoria 71kg.
O destaque foi a luta das quartas de final, novamente valendo medalha, em que o brasileiro venceu de virada o atleta georgiano por decisão dividida. “Primeiro round dessa luta eu perdi. Aí o Mateus (Alves, heah coach da seleção) me fez reagir. Então eu olhei e pensei ‘como eu perdi para esse moleque?’. Eu vi que ele estava sentado, cansado, e eu estava cheio de gás e pensei ‘ele não vai me ganhar’”. Os conselhos do corner deram certo, Wanderson Shuga venceu o segundo e o terceiro round e levou a medalha por decisão unânime. “Agora veio a medalha!”, comemorou o pugilista.
Aprendizado em Tóquio-2020 para chegar em Paris-2024
Antes do pódio mundial, Wanderson precisou ralar muito na seleção. Assim, o carioca conseguiu chegar ao maior evento que qualquer esportista poderia participar: Jogos Olímpicos. Ele foi um dos sete boxeadores que representaram o Brasil em Tóquio-2020, quando o esporte foi o carro-chefe da campanha brasileira no Japão, com uma medalha de cada cor. “Foi uma coisa surreal, fora do mundo! É o sonho de qualquer atleta”, relembrou o boxeador. Para ele, chegar nos Jogos foi tão emocionante que o fez se perder, mas que logo voltou a se concentrar e focar na medalha. “A primeira vez que você chega numa Olimpíada você fica abobalhado, acho que todo mundo fica. Mas meu sabia que isso ia acontecer, então não usei mais o celular até a última luta. Eu mantive foco na medalha”, analisou.
A campanha olímpica de Wanderson foi bastante sólida, parando apenas na luta da medalha, nas quartas de final, quando encontrou então bicampeão mundial Andy Cruz, de Cuba. “Não peguei medalha porque o adversário foi superior. Na época, eu e eles estávamos muito bem, num nível muito alto”. A luta acabou vencida por Cruz por decisão dividida e Shuga voltou sem pódio para casa. “Meu jogo não se encaixou com o do Andy, foi uma luta equilibrada, mas a luta acabou indo para ele”. Mesmo assim, o resultado foi um combustível para o brasileiro continuar treinando para buscar vaga para Paris-2024, para, enfim, conquistar o pódio olímpico. “Vou buscar a vaga para Paris e quero essa medalha. Agora vou com tudo!”, declarou o pugilista confiante.